MANUEL MOZOS
1959 | Lisboa | Portugal
Nota Biográfica:
Manuel Mozos nasceu em Lisboa em 1959. Terminou o curso de Cinema em 1984, no Antigo Conservatório Nacional (actual Escola Superior de Teatro e Cinema). Trabalhou como montador, argumentista e assistente de realização de vários realizadores portugueses.
Colabora assiduamente com publicações, escolas, institutos, universidades, associações culturais e de cinema, cineclubes e festivais. Desde 2002 trabalha no ANIM na área de identificação, preservação e restauro de cópias em película.
Como realizador, o seu primeiro filme foi “Um passo, outro passo e depois”, vencedor do prémio de Melhor Filme Estrangeiro em Entrevues, Festival Internacional de Cinema de Belfort, em 1990. Desde então realizou mais de vinte filmes, entre ficção e documentário, curtas e longas-metragens, entre os quais se destacam as longas-metragens “Quando Troveja”, “Xavier” e “4 Copas”, bem como os documentários “Lisboa no Cinema”, “Cinema Português — Diálogos com João Bénard da Costa”, “Ruínas”, “João Bénard da Costa – Outros amarão as coisas que eu amei” e o mais recente “Sophia, na primeira pessoa”.
Filmografia:
2019 – Sophia, na Primeira Pessoa
2017 – Ramiro
2014 – João Bénard da Costa – Outros amarão as coisas que eu amei
2009 – Ruínas
2009 – Aldina Duarte – Princesa Prometida
2008 – 4 Copas
2007 – Diva
2006 – Olhar o Cinema Português
2003 – Sobre o Mar
2002 – António Pinho Vargas – Notas de um Compositor
2001 – Erupção
2000 – Crescei e Multiplicai-vos
1999 – Censura: Alguns Cortes
1999 – Quando troveja
1998 – José Cardoso Pires – Diário de Bordo
1997 – Cinema português?
1996 – Solitarium
1994 – Lisboa no Cinema – Um Ponto de Vista
1991 – Xavier
1988 – Um Passo, outro Passo e Depois
ENCONTRO COM MANUEL MOZOS por Frederico Mamede (Jornal dos Encontros Cinematográficos 2010)
Antes de mais, gostaria de saber desde quando começou a gostar e a interessar-se por fazer cinema?
Gosto de cinema desde que me lembro, desde que vi aos 4 anos “Bambi” numa sala, e, desde aí, comecei a gostar e a interessar-me cada vez mais pelo cinema, vendo, indiscriminadamente, todo o tipo de filmes. A meio da adolescência – em que, praticamente, todos os dias, via no cinema um ou mais filmes – porém, comecei a ser um pouco mais criterioso, a fazer as minhas próprias escolhas.
Apesar de ter tido uma pequena experiência, uma colaboração no sentido de encontrar locais para filmar um documentário francês em 75 ou 76, não pensava conscientemente em vir a fazer filmes
ou a trabalhar em cinema. Isso, na realidade, só aconteceu quando me vi entrar na escola de cinema, e então, acreditei que era possível fazer filmes. Depois de ter conseguido, a pulso, uma cinematografia de assinalável importância e valor, quais são as principais características de que se alimenta o seu cinema?
Não sei se serei muito justo ao responder a esta questão. Digamos que as características que eu gostaria que mais se distinguissem fossem a liberdade, a sinceridade, a persistência, alguma resistência por tudo isso.
Sei que, apesar de trabalhar de um modo baseado em padrões classicistas, talvez mesmo académicos, tento, pelo menos, que os meus filmes possam abrir uma ou outra nesga para algo mais aberto na memória e imaginação de quem os possa ver. Interessam-me as pequenas histórias, as pessoas comuns, aquilo que não é, de todo, óbvio. Gosto de trabalhar com os actores, descobrir decores, gosto da imprevisibilidade, da montagem e da elaboração dos argumentos.
Já realizou vários documentários e ficções. a partir dessas experiências, pergunto-lhe, se na sua opinião, existe algum relação entre elas e com a qual de entre as duas, se identifica mais?
Julgo que nos filmes que fiz, quer ficções, quer documentários, há coisas que os relacionam; coisas que vão passando de filme para filme. Mesmo quando os projectos partiram de propostas que me foram feitas, acredito que haja traços comuns que perpassam todos eles. Não me identifico mais, ou prefiro, a ficção ao documentário. Nos trabalhos de ficção, aquilo que me dá maior prazer é o trabalho com os actores, a procura e escolha de decores e a escrita do argumento; enquanto no documentário, gosto da imponderabilidade enquanto se filma e das possibilidades de construção que isso pode trazer na montagem.
Da sua filmografia, qual foi a experiência cinematográfica mais marcante e porquê?
São várias. Entre elas, posso destacar a rodagem de “Um Passo, Outro Passo e Depois…”, por ter sido o primeiro filme que realizei e hoje não se encontrarem os negativos, nem nenhuma cópia em película (o filme foi rodado em película de 16 mm); o processo de “Xavier”, mais de 10 anos entre a rodagem e a sua conclusão; a alegria e liberdade nas rodagens e pós produção de “Ruínas”; e por todas as pessoas que fui conhecendo em cada um dos filmes.
De que forma nascem e realiza as ideias para os seus filmes?
Praticamente todos os dias tomo notas e aponta- mentos de filmes que vejo, de livros que leio, de conversas, de histórias que ouço, de assuntos ou temas que me interessam, guardo recortes de jornais e revistas que vou coleccionando; enfim, tudo um pouco, quase aleatoriamente. Nalgum tempo, algumas dessas coisas começam a ganhar um sentido para mim, quanto à possibilidade de se tornarem num filme, e então passo a trabalhá-las para esse fim. Noutros casos, foram-me propostos os temas ou assuntos – caso de grande parte dos documentários – que tento trabalhar sobre o meu ponto de vista e com as possibilidades que as produções me permitem.
Relativamente ao seu último documentário, “Ruínas”, qual tem sido, para si, o papel da memória na condição humana?
Dou muita importância à memória. Para mim, o lado criativo é a soma entre a memória e a imaginação. Julgo que a memória está um pouco em cada um dos meus filmes, não só porque de um filme fica um registo para o futuro; mas, principalmente, porque, nos filmes que faço, tento estabelecer retratos de uma época, de um tempo e de um espaço; tanto nas ficções, como nos documentários, quer biográficos (Cardoso Pires, Aldina Duarte, António Pinho Vargas, Amália) quer temáticos, que têm abordado, sobretudo, a história do cinema português, ou o que anda à volta dela.
No caso do “Ruínas”, a preocupação com a memória será, talvez, mais evidente, pelas histórias narradas e pelos locais retratados, no seu contexto arquitectónico, paisagístico, antropológico e sociológico.
Quais são as suas principais influências cinematográficas? Que cineastas admira profundamente? E que realizadores portugueses, aprecia por aquilo que conseguiram?
São inúmeras e muito variadas. Desde o expressionismo alemão, à escola soviética, cinema clássico americano, cinema italiano, “nouvelle vague”, etc, etc, e são muitíssimos os cineastas que admiro: Fritz Lang, Murnau, Ford, Hawks, Sternberg, Renoir, Dreyer, Bresson, Ozu, Erice, Carpenter, Peckinpah, Guru Dutt, Zurlini, Fellini, Visconti, Max Ophuls, Clint Eastwood, Kubrick, Mallick, Jacques Tourneur, Douglas Sirk, Buster Keaton, Aki Kaurismaki, Mizogushi, Mur Oti, Almodovar, Melville, Tati, Disney, Mélies, Buñuel,Tim Burton, Mankiewicz, King Vidor, Kitano, Leone, Walsh, Hitchcock, Minelli, Griffith, Herzog, Cassavetes, Vigo, Powell, Billy Wilder, Nicholas Ray, John Huston, Rosselini, Browning, entre muitos outros.
Quanto aos portugueses, também são inúmeros os que aprecio, mas destacarei António Reis / Margarida Cordeiro, João César Monteiro, Pedro Costa, Miguel Gomes, Paulo Rocha, Fernando Lopes, Joaquim Pinto, João Pedro Rodrigues, António Campos, José Álvaro de Morais, Jorge Cramez, Sandro Aguilar, João Botelho, João Canijo, Jorge Silva Melo, Catarina Mourão, João Vladimiro, João Nicolau, João Salavisa e Manoel de Oliveira.
Entre a montagem e a realização, qual a área que o seduz mais?
A realização. Porque engloba também a montagem. Ao realizador convirá, e mesmo muito, saber montagem, enquanto o montador não tem que ser realizador. A montagem é um trabalho normalmente solitário. Pessoalmente, não gosto de ser só eu a montar os meus filmes, pelo que, na maioria dos casos, entrego esse trabalho a outra pessoa, em quem confio, e que me mostrará outras possibilidades que eu não veria. Enquanto montador, gostei muito de ter feito “Máscara de Aço Contra Abismo Azul” (Paulo Rocha), “Tempos Difíceis” (João Botelho), “Rosa de Areia” (António Reis / Margarida Cordeiro), e, a partir de certa altura, ter-me dedicado a montar apenas primeiros filmes, mesmo de realizadores mais novos. Enquanto realizador, todos os filmes que fiz me deram alegrias e angústias, mas gostei de fazer todos eles.
Actualmente, o cinema está numa viragem da era do analógico para o digital. em qual se enquadra melhor o realizador e montador Manuel Mozos e porquê?
Prefiro o analógico. Por ter tido com ele a minha formação e ter um maior domínio nesse tipo de suporte e também, confesso, por inaptidão em relação ao digital, apesar das suas constantes transformações e progressos. Mas julgo que o digital se impôs ao analógico e tem, na realidade, muito mais campo para explorar, permitindo muito mais possibilidades de trabalho e experimentação e, eventualmente, custos menores.
Que outras experiências gostava de ter e realizar no mundo do cinema?
Talvez não seja suficientemente ambicioso; gostaria de continuar a realizar filmes, mas não vivo obcecado por isso. Gostaria de ter um maior controle sobre eles, estar mais dentro de cada fase do processo, desde a produção, à exibição, nos vários suportes e meios. Gostaria de poder continuar a ser solicitado para opinar sobre argumentos e montagens, e ajudar quem se interessa pelo estudo do cinema português, ou do cinema em geral.
No meu trabalho, no ANIM, conseguir que se redescubram um maior número possível de filmes julgados perdidos, ou que se tornaram invisíveis.
Reencontrar o negativo do meu primeiro filme.
Continuar a conhecer pessoas através do cinema.
Pode falar-nos um pouco mais de si e de que outros interesses partilha, para além do cinema?
De mim, não sei bem o que possa dizer, porque também não me é fácil. Mas há muitos outros interesses na minha vida, para além do que se relaciona com o cinema. Gosto de estar com os meus amigos, de conversar, interesso-me por música, poesia, literatura, teatro, pintura, arquitectura, pela natureza e animais, gastronomia, história, religião, desporto, por revistas e jornais, colecções e muitas coisas mais.
Para terminar, pode contar-nos um pouco dos seus projectos futuros?
Neste momento, não tenho projectos concretos em relação a novos filmes. Há um argumento para uma longa – metragem de ficção escrito pela Mariana Ricardo e pelo Telmo Churro, que não passou no concurso do ICA, mas, como não ficou mal classificado, talvez voltemos a concorrer. Tenho, também, algumas notas e ideias para alguns documentários e algumas ficções, mas está tudo ainda embrionário e nebuloso.
De concreto, existe apenas o meu trabalho no ANIM e certas colaborações em projectos de outros realizadores, nalgumas investigações, e com certas associações.